sábado, 4 de novembro de 2023

Penumbral

No meio, entre as trevas e as luzes,
Existe a penumbra.
O visível invisível  de algumas  silhuetas
Em uma fotografia da alma humana e do mundo.
O umbral é o aparente nada rumo a  lugar nenhum.
Porque, por ora, ainda suspensão de rumos.
Como um ponto de inflexão dos respiros, das entressafras, das sístoles e diástoles
O penumbralmento instaura uma forma potencial de tempo
para um lugar de -  quem sabe? - qualquer acontecimento.

domingo, 3 de março de 2019

Caiaque

Pela manhã já embarco
e com meu barco escrevo.

Um poema por dia
Com ritmos, remos,
ventos e melodia

Todo oceano é
Um coração
Toda viagem é
Uma oração

Conduzir com a caneta
Algum sentimento
Nas sinuosas curvas
Das letras cursivas
A formar mapas
de rios em curso.

Escrever para crer.
Saber navegar se
é tempestaste viver.

quinta-feira, 17 de maio de 2018

Dente de leão

No meu caminho
muita pedra, lama, flores.
Na minha guerra
desafeto, amizade, amores.
O tempo me sopra
Como um dente de leão
Que pelo espaço vai ao léu
de encontro à Questão.
Não fui quem eu agora sou;
algo entre quem era e serei.
Estados suspensos de Coisa,
Alguma economia doida.
Relação de força que perpassa
Me agita, pensa e atravessa.
Para me sentir bem à beça
Ou querer pouca a conversa.
É bonito e esquisito
Como um rio que se rega
De um efêmero infinito.


domingo, 12 de março de 2017

Apenado

Meu passado me condena
a alguns anos de memória
com a polícia nos meus dias
me rendi sem escapatória
já o juiz era suspeito
ignorava minha história
Faz tempo que estou preso
cumprindo minhas lembranças
minha cela é apertada e
me machuco quando há dança
Vigiado e punido
na esperança e desespero
ante o acaso e o destino
de coragem e de medo
Cavo e calculo a fuga
Rogo e rezo pela cura
Um dia eu vou pra rua
poderei olhar a lua
estarei foragido e esquecido
para dançar no desconhecido

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Pós-ser

Que inveja dos mortos
Nos quais para todo fim
Não mais existem
(Ainda que sim)

Que pena dos vivos
Condenados a serem livres
Na liberdade de escolha
Por destinos tão tristes

Que asco do tolo
Em sua representação
Pensar o mundo explicado
(Ainda que não)

Que decepção com o sábio
Se contentar com tão pouco
Para na própria história
Não ser tomado por louco

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Ser

O medo e a vontade
Da vida e da morte
Apego e liberdade
Ao azar e à sorte
O meu melhor amigo
Me instiga a querer
Ele em mim tem abrigo
Não me deixa morrer
Já meu arqui-inimigo
Também ele sou eu
Que me culpa e me pune
Por tudo que é meu

Acordo com um
E deito com o oposto
Os dois e nenhum
Dentro do mesmo rosto
Nenhum e os dois
Em mim todo exposto

domingo, 8 de novembro de 2015

Saudades de Casa

Minha casa está aqui
Justo onde sou estrangeiro
Onde eu moro é logo ali
E também o meu passeio

Todo dia eu regresso
E não me encontro no lugar
Toda hora me despeço
Como se desse pra voltar

Por não ter pra onde ir
Permaneci e não parti
Viajei e não voltei
Pelas coisas que deixei

Minha casa está aqui
Eu carrego ela nas costas
Impossível sair de si
Ir atrás de mais respostas

No corpo eu convivo
Com as marcas da emoção
No Cosmos coexisto
Com minha imaginação

Eu sou o meu lar
Alojado na Mãe-Terra
Aprendendo a amar
Enquanto por aí erra...

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Presente de grego

Quando, então, a magia
Exilada foi pela ciência
Lançou um feitiço-ironia
Em nossa inconsistência
Inverteu os papéis
Fez da sorte revés
Nos incutiu
O apaixonar-se pela razão
E nos persuadiu
A racionalizar toda paixão

quarta-feira, 1 de julho de 2015

A morte

No abismo ecoa vida de todos os tipos
Tem o grito dos que se jogam
E também o choro dos recém-nascidos

sábado, 27 de junho de 2015

Aiôn

Brotamos da noite e do dia
Do sonho e vigília
Tristeza e alegria
Ciência e magia
Com partes machos
E partes fêmeas
Entre instinto
E consciência
Concebidos pelo pensamento
E unificados pelo sentimento
Mesclados entre o real e o onírico
Arco-íris entre matéria e espírito

quinta-feira, 19 de março de 2015

Coração Alada

Coração ligada,
Beat acelerado
Mas voa com calma
Pra viajar  mais longe
Levando corpo e alma
Seu desejo escolhe onde
Voa soltinha, borboletinha
Venha hoje à minha casa
Seja você minha madrinha
Quero que me conte seu segredo
De como faz pra bater asa

para Roberta Ramos

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Ventamar

De cara franzida ou com a vista embaçada,
A tarde é de luz tão intensa
Que assopra as sombras juntamente com as ondas.
Mas que não queima, acalma e nem nada.
Por conta da ventania na praia.
Vento no mar
Areia e ar.
O Oceano é um mistério
E a terra firme o critério.
Todos os dias, um homem quase se afoga.
Sobrevivendo, abraça o chão e se põe a pensar.
Outro vem do interior lá de bem longe.
Há horas ou dias, para aqui enfim descansar.
Existiria mais propício habitat
Do que o precipício do limiar?
Talvez. Mas há uma ventania na praia
E horizontes em todo lugar

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Temporal

A morte chegará sempre cedo.
Para os que dela nasceram sem medo.
Veja! Aqui está ela!
Nos paridos do seu finado ventre.
Embora não tenha ninguém doente.
Vai surgir numa tomada de consciência súbita.
Ainda que não haja ser algum em suas últimas.
Implodirá cristalina e bela.
Em formato de raio, bem nítida, sincera.
Seremos cegados então por um clarão.
E logo ensurdeceremos com um trovão.
Ela é a epifania da lágrima e da chuva.
Será sempre precoce, mas também de indescritível beleza.
Benção e maldição, alegria e tristeza.
A morte é parte da nossa natureza.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Epistemologia

O que é que há
Quando se referem à lá,
Sincronicamente, lá já não está
bem como tudo que há?

E o que é que se inventa
Quando se experimenta
Uma inédita fugacidade
que é a eternidade?

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Engasgue

Me como, me bebo, me fumo.
Deslizo por mim.
Pela minha garganta.
E me engasgo, tusso.
Estou entalado.
Me jogo de costas contra a parede.
Me dou porradas atrás com um porrete.

A inspiração para poemas não escritos
Amores nunca vividos e já esquecidos
A solidão de suspeitar saber quem se é
Ver o mundo, pensar nas coisas, perder a fé

Impulsos de gritos de fúria e horror
Gestos asfixiados de gentileza e amor

Caroços de frutos podres que sufocam em filosofia vã
Alivio o sintoma com cachaça, cannabis e clonazepan
O sábio o é  porque se engole a seco.
Consigo, ele é invencível.
Já sentiu, soube e aceitou:
Não existe vômito possível.

para Estamira

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Não é Nada

Às vezes vem uma vontade de escrever tudo o que me acontece. Cada conexão complexa que me faz ser vida e por acaso, ainda por cima, me faz ser eu. Isso é besteira. Eu já sei que pra isso haja é mão. E depois, o pouco que eu sei é só um tiquinho de nada. Ficaria faltando, por assim dizer, o infinito. E é justo esse que ando pesquisando para quem sabe nunca eu poder, sem jamais escrever, tal dissertação. Distração tola, diriam muitos, mas muito menos que tola, eu diria sem desmerecimento nenhum, muito pelo contrário, inútil. Uma vez que essa empreitada está fatalmente fadada ao fracasso. Isto é, sem conclusão. Estudar o infinito demora bastante e é por isso que eu escolhi isso de passatempo. Além de demorado ele também é muito. Tenho QUASE certeza que as eventuais sensações de saturamento, exaustão, de asfixia, de náusea, intoxicação e a agonia dos soluços, dos choros com soluço, vem desse infinito que eu não conheço. Ele é demorado, é grande, é de uma proporção tamanha que eu falo mas na verdade não tenho nem ideia. No entanto, está dentro de mim me fazendo passar mal uns bons dias. Com todo esse tamanho me enchendo sem me estourar. Nesses dias me sinto é cheio, de saco cheio, cheio de vazio. Vazio que não se enche com bebida, nem comida e nem fumaça porque faz parte também do infinito. Desconfio de alguns vácuos mas não tenho certeza de nada. As coisas finitas eu não sei por que as estudam tanto. São importantes, é claro, mas muito superestimadas. Observar uma coisa acontecer e esperar que assim sempre aconteça, apenas nos orienta mais ou menos. Para toda regra há exceções. Sempre haverá os outros pontos de observação. E depois, há infinitos eventos que transcendem a nossa sensorialidade e que, assim sendo, serão para sempre ignorados pelo nosso pensamento. No final as coisas finitas também têm que ver com o infinito e é por isso que ando ocupado dele. Sei que falo por repentino pessimismo que em certos momentos o infinito me enche de vazio. É só na hora da tristeza. Eu falo por falar. Pra ver se sai um pouco do tanto que tá em mim pela voz. Esse tanto que quanto mais vazio maior o peso. Esse tanto na tensão entre murcho e a ponto de arrebentar. Mas falar por falar não adianta, escrever que é bom. Escrever é um bom remédio para o tédio existencial e um passatempo tão bom quanto estudar o infinito. 

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Refrescamento

De noite na cama eu fico pensando.
Como é possível, meu deus, o pensamento.
Levanto e ligo o ventilador.
E então é ouvir o barulho rodando.
Assim esqueço de inclusive pensar
Vou nesse mantra girando.
É que o ruído abafa o som mais ou menos.
Dessa voz que não sabe refletir em silêncio.
O ventilador tem essa função além do refrescamento.
Foi feito também para ninar as cabecinhas de vento...

domingo, 3 de novembro de 2013

Boiar

Ai, meu deus! O que será de mim?
Não faço ideia se me especulo e sou ao mesmo tempo.
Mantenho a calma, medito, rezo, bebo, durmo
Corro, choro, me recomponho e me destruo.
O que tem me acontecido eu só vou saber depois.
Agora estou muito envolvido nessa tarefa de existir.
Abençoado por anjos e atormentado por demônios.
Atrapalhado nos percalços reais e imaginários.
Entretido com os mínimos prazeres.
Tudo isso me toma tudo, tudo isso me custa a minha vida.
Não tenho dois tempos e nem sei me dar certa distância.
Como poderia eu mesmo saber o que será de mim
se exatamente o que sou é essa ignorância?
Estou em alto mar abraçado em um barril.
Há os dias que penso estar bem próximo de uma praia.
Em certas noites solitárias tenho a certeza do meu fim.
Só o tempo vai mostrar, o que por ora não dá para saber.
Em matéria de viver o negócio é boiar.
Principalmente quando o assunto é o que vai ser.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Vida de árvore

Quem já foi uma árvore
Soube o que é ter paciência.
Pediu emprestado o tempo pra si
E foi assim que vingou em resistência.
Ficou plantado no chão como um dois de paus.
Com os galhos pra cima, expandindo a consciência.
Transcendeu o ego e se uniu ao uno divino.
Virou também a fonte, a terra, o sol e o vento.
Sentiu no tronco o infinito pra sempre.
Quem já foi uma árvore
Foi atingido pelo único raio da chuva do dia cinzento sem fim
Entendeu e sentiu o milagre que faz as coisas se transformarem.
Teve uma vida plena e achou tudo maravilhoso em silêncio.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Viajar

Eu quero ir embora
Pra onde ainda não sei
Aqui eu já não posso
Aqui que não me quer
Deixo tudo e meto o pé
Pra onde não sei bem
Aqui não há de ser
Aqui não me vejo
Já deixei todos avisados
Que num instante eu já parto
Daqui de onde eu falo
Daqui que em breve deixarei
Vou pra outro canto
Aqui não vou bem
Lá talvez eu me encontre de vez
Lá talvez  eu seja para o que aqui vim
E sendo assim valha a pena
Quem sabe até mesmo aqui
Mas agora é o momento
De viajar
Aqui já não dá.



“Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser. Que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver”
Amyr Klink

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Conviver a ser

As coisas acontecem quando não tem outra maneira. Elas acontecem nos seus encontros, nos pontos onde infinitas retas se cruzam no mesmo espaço e no mesmo tempo. Na sua órbita, a Terra gira e as coisas que são vivas nascem, crescem, andam, se reproduzem e morrem. Nesses intervalos, as coisas acontecem para quem e para além da pretensão de dar sentidos à elas. Para quem e para além daqueles que querem ver algo acontecer ou dar nome aos acontecimentos e às coisas. Cada coisa no seu lugar e no seu momento ou nada acontece. Nesses casos acontece o pensamento, a imaginação, o sonho que também são e é coisa, que se sucedem e não se tornam. Na sinfonia do universo e na dança do infinito, uma porção de coisas se cruzam por acaso em sincronismo e acontecem. E o que tem que ser já é e o que será será.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Carona

Eu levo o meu corpo a passeio
Para qualquer lugar imaginado e possível
Uma hora eu me carrego nas costas
Em outras eu próprio me encarrego de mim
De repouso fico gritando
E vou ficando surdo com o barulho
Às vezes até de olhos fechados
Respiro fundo e me peço carona
Dias e noites atravessando desertos sem fim de camelo
Em outros deslizando em pedras com limo de cachoeiras
Sonhei que podia voar algumas vezes
E tive pesadelos em que não conseguia correr

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Terra de cemitério

Os pássaros em seus voos, mesmo durante uma viagem de curto tempo e espaço, observam abaixo uma infinita variedade de tipos, maneiras e motivos de se estar de fato no mundo. Distante da terra percebem para seu espanto e deleite, a seriedade que acometem os que ainda não aprenderam a voar. Esses ao rastejarem, pularem ou caminharem, cavam através da erosão da terra, trincheiras de verdades absolutas dignas de fiel obediência. A começar pela lei da gravidade. Ali dentro esquecem-se da grandeza do mundo e se alienam do universo eterno em múltiplas convicções. Nessa peregrinação uns seguem os rastros dos outro cavando labirintos de caminhos velhos e conhecidos, onde eles veem o cerco se fechar por tentarem fechar conceitos. Tais túneis vez ou outra se cruzam sem que isso altere a fé no caminho. Pelo contrário, a confluência aumenta o fluxo e este revigorado alonga a sua influência. Outras vezes as valas se dirigem em paralelo para a mesma direção, mas soterrados um não tem sensibilidade nem conhecimento do outro. Ainda que tivessem oportunidade, julgariam o caminho um do outro, na melhor das hipóteses, um engano. Na desconfortável das hipóteses um erro. E na mais comum das hipóteses uma ameaça. É preciso ter fé para poder seguir e uma vocação para mineração. Além de uma natural aversão ao absurdo, à ambiguidade, ao caos, ao acaso, a contingência e ao mistério atribuído pela atual era do ouro como instinto de sobrevivência. Água mole pedra dura, tanto bate até que fura. Assim foram feitas as areias das praias com calma e constância e lá hoje as Marias Farinhas escavam o buraco onde existem. Da mesma forma o processo erosivo desses rastejos corrói a vida dos dóceis terráqueos terrestres. Estes se esfolam até finalmente se esfarelarem em sua cova de morte. Do alto os pássaros observam e fluem no vento em silêncio. Só eles sabem que não sabemos de nada.


 

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Renascer


Quero morrer porque já estou morto.
Vivo como se vou ao cinema.
Quando ainda há vontade de ver um filme.
Assisto sentado, sozinho, mudo e ainda assim não vejo a história.
Perco o foco, investigo as câmeras e imagino a produção.
Assisto as emoções das pessoas da poltrona da frente.
Penso no meu próprio caminho e no vazio da sala de madrugada.
Nasci nessa (in)disposição de espírito.
Que ora é curiosa, ora inerte na inconstância.
Sempre em pensamento e nunca realmente viva.
Tudo está para si mesmo e as coisas são e vão,
Tal como pouco importa o que acho ou imagino.
Se desconfio que não sinto, se não me movo, se me calo e só penso.
Por querer apreender tudo, me perco.
Deixo escapar o essencial que para mim seria suficiente.
Quero morrer porque não estou vivo
E preciso fazer a experiência completa .
Vibrar com as energias da Terra e voar quando quiser,
Ter o impulso do fogo e sentir o devir pelos cinco sentidos.
Essa é a vontade única que sobrou para mim.
Desejo que se encerra nele mesmo.
Porque só eu posso levar a cabo essa mudança
Que só a mim diz respeito.
Quero morrer para então renascer.
Estou morrendo para voltar a viver.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Alteridade

Eu e eu mesmo que existem em mim.
Aqui dentro para sempre.
Até que a morte nos separe
ou nos reúna em um sonho.
Eu e o outro.
Em carne e unha.
A luz e a sombra.
A coroa e a cara.
Um assiste o outro na ação
de se perceber observado.
O outro comporta o um
e também o contrário
nesse confinamento forçado.
O consciente e o inconsciente
descendo ralo abaixo em espiral,
desaguando na minha alma e no meu corpo.
Se reconciliando e se revoltando contra o meu espírito.

O espírito que também é meu.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Modernidade

O Burro segue seu caminho.
Em direção à cenoura pendurada na altura de seus olhos.
A cenoura está amarrada no rabo de um cão.
Que gira em seu próprio eixo com ansiedade e convicção
porque seu dono chega de mais um dia de trabalho.
Sem dar muita atenção, este liga a televisão.
Enquanto o rato assiste e continua a girar a roda de sua gaiola.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

O despertar

Tenho acordado sobressaltado
Dormindo as coisas têm a consistência de sonhos
Acordado, sonhos e pesadelos são sentidos nos ombros
A luz do sol  me cega por uns momentos
Para depois iluminar o mundo a perceber
De alguma maneira não mais sou quem eu era
E mesmo já sendo, estou aprendendo a me ser

terça-feira, 14 de agosto de 2012

A Medusa

A medusa está morta
Eu a petrifiquei com um escudo
Nele ela se viu e virou pedra
Nele eu a vi morrendo mudo
O perigo que agora medra
É o de não conquistar tudo
O tempo que não espera
Porque é cheio de imprevistos
O espaço que eu já coubera
Por querer ser maior que isto

sábado, 21 de julho de 2012

Dionisismo

Eu bebo pra correr sem pressa.
Por não ter onde ir e estar sempre só sem estar sossegado.
Pra encontrar o anti-eu e me reconciliar comigo mesmo.
Para ver o tesouro do outro e comungarmos o instante já.
Eu bebo para me embriagar.
Com calma e depressa dar chão à emoção
Colocando a razão no seu devido lugar.
Pra correr e correr por não saber como e o que fazer.
Por não querer e nem poder me adaptar.
Eu bebo por não ter como escapar.

domingo, 15 de julho de 2012

Vital


Quem nasce paga pra ver e viver.
À prova de paciência, de bravura, de jogo de cintura;
tudo se cria e tudo se transforma agora mesmo.
Quem nasce já dá a vida pela própria vida.
Um prato cheio para os impulsos aventureiros
e um desafio para os impulsos acomodados.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Fluir


Nascendo e morrendo
A gosto da sorte e do azar do universo
À  deriva no oceano do tempo
A esmo ao sabor do vento
Ao acaso de deus dará
Tendo só a certeza  de ser
(e ainda assim olhe lá)
Os bons impotentes são soltos
Se deixam fluir de bom grado
Vivem  momento a momento
A narrativa inconstante desse movimento

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Acordo

Estabeleci uma parceria com a vida
Fiz um pacto com o sol
E fiz o mesmo com a lua
Enquanto eu cresço nessa terra
Um vai dar a força que me falta
A outra será uma musa inspiradora
De dia movimento e de noite pensamento
Em troca serei o que sou: filho da natureza
Eis o meu reconhecimento

segunda-feira, 12 de março de 2012

Baldeação

Já que não tenho lugar no mundo
Serei nômade na vida
Passarei leve pelas tempestades
E terei bons dias nos dias de tempo bom
Assim serei todo o caminho
E também todo o presente
Sem passado, futuro e nem destino final
Apenas de passagem pelo aqui e pelo agora

quarta-feira, 7 de março de 2012

Espiral

Nada foi ou será; tudo apenas é.
E é para sempre,
contendo todas as coisas que existem em tudo.
O movimento não é tempo.
Tempo e movimento apenas fazem parte desse todo.
Quem vai não necessariamente volta.
E quem fica não necessariamente parte.
Não existe partida nem chegada.
Nada foi ou será; tudo apenas é.
Único e constante
e em espiral.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

erva daninha



Homem planta
Metade planta
Metade gente
Msturado, híbrido, anfíbio
Meio sapo
Homo sapiens

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Edição única e limitada

Às vezes escrever vem da necessidade de se escrever em si mesma. Girar a caneta e desenhar linhas sinuosas, as palavras, e tendo em mente coerência e caso queira, fazendo vista grossa à coesão. Mas também não é de todo mal pegar na pena seja qual for, e negligenciar eventualmente a coerência. Essas vontades vem do escrevinhar, do desejo de desenhar símbolos de idéias para olhá-las e quem sabe as digerir com mais clareza ou as amaldiçoar. É uma questão de contemplação para ter a chance de deixar tudo de acordo com o calor do pulsar do coração usando o frio maquinismo da cabeça. As palavras não se calam em momento algum em nossas mentes e os sentimentos são fluxos eternos no nosso coração. Essas vontades vêm quando estamos partidos. E sempre estamos partidos.

sábado, 7 de janeiro de 2012

RE: Just in case


Códigos de arbitrariedade
  1. Quando tudo dá certo são as coincidências travestidas de destino.
  2. Quando tudo dá errado são os acasos idealizados pelo revés.
  3. Diante dos feitos que se dão por concreto, ali agiram sob perseverança.
  4. Diante dos fatos que traíram às intenções, tem-se tal como tinha e sempre terá a vida como ela é.
  5. Atrás dos bons ventos segue a espiritualidade.
  6. Atrás da seca e da tempestade lá empurra a

  7. resignação.
  8. O poder é divino, o querer é carnal e o non-sense uma caricatura do real.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Entre a dor e o aborrecimento

Algo em mim só se cala depois de dito.
A inquietação ansiosa só alivia depois do feito.
Dito e feito; não me satisfaço.
Hão de ter outras palavras.
Hão de ter outras ações.
Que só se calarão depois que eu as disser.
Que só me deixarão em paz quando eu as fizer.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

vida

E pensar da vida como uma categoria outra
para além das percepções estáticas
reinventada na sua essência
reorganizada na sua estrutura
revigorada no seu ser
a vida além da morte
a morte na vida
e a vida na alma
até o fim, até o começo e durante o meio
explodir tudo e começar de novo
diferente, alternativa, e sobretudo renovada
a vida pela vida
a vida pelo prazer de estar vivo
a vida pelo prazer de nunca ser morte

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Assinale a resposta correta

Assinale a resposta correta:

(A) O Problema é o Tempo.
(B) A solução é o conhecimento.
(C) O Problema é o (des)conhecimento.
(D) A solução é o tempo.
(E) O problema não tem tempo.
(F) A solução não tem conhecimento.
(D) Tempo é o conhecimento.
(G) O problema não tem solução.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Just in case

Cá estou esperando a decisão do acaso dizer dele mesmo.
Caso ele seja causalidade ou caso seja caso contrário.
Me importa saber as relações curiosas das coisas dispostas.
Me interessa discriminhar as meras coincidências e as semelhanças impostas.
Se o acaso não continuar a fazer tanto caso, gostaria eu de saber mesmo que por acaso.
Caso o acaso seja mais que acaso ou caso seja acaso encerrado.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Ofilia

Ofélia é uma planta.
Uma planta carnívora.
Mas ao invés de insetos,
prefere cenouras ou batatas.
Entre uma mordida e outra
às vezes Ofélia se sente uma miserável por ser uma canibal.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

come to my backyard

Há algo na vida plantas de mais metafísico do que nas do reino animal. Nos parece muito óbvio que nós seres com pelos, mucosas, tecidos, e muito sangue, que emitem sons e que de uma mistureba dessas se possa obter, duplicar, aumentar ou, enfim, reproduzir vida. As plantas nos confunde a cabeça porque têm um refinamento que reside exatamente em não ter refinamento algum. Nascer no chão, no meio da terra, expostas ao sol e à chuva. E imóvel lá ficam elas sob o calor do meio dia e debaixo do gelado orvalho da aurora. A vida vegetal tem um aroma de improbabilidade. Nada mais aleatório acontecer, mesmo sendo a realidade apresentada, jogar um grão de feijão em um algodão molhado e dali misteriosamente surgir uma planta. Quem iria pensar nisso antes. A agricultura foi inventada por acidente e libertou a humanidade de uma vida cigana. Não os culparia pela falta de tato e nem posso, porque também sou humano. Aliás, é por isso que os entendo. A vida vegetal tem esse quê místico e laborioso de planos desconhecidos e incompreendido que a humana não tem. E é esse contraste com a vida humana relacionada diretamente aos vulgares livros de biologia que impressiona. Porque quando se pensa na semente se abrindo e virando um arbusto, uma árvore, igualmente descritas nos mesmos livros vulgares de biologia, não nos deixamos levar pela teoria por completo. Temos a certeza que a vida das plantas envolve outros saberes para além da biologia, como na verdade todo tipo de vida também envolve. Mas de alguma forma isso fica mais explícito em seres que se revestem de clorofila.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

O Pensamento Selvagem

Sou um selvagem nessa civilização burocrática.
Falo comigo e com eles em uma língua cuja eu não escolhi.
Um pré-letrado alfabetizado via adestramento.
Meu primitivismo me limita por fora
mas me expande por dentro nessa cultura da qual não pertenço.
Esses valores dessas sociedades quentes nada ou pouco me dizem.
Essas instituições não me refletem, não me representam, não me agregam.
Elaboro meus mitos escondido na coxia desse teatro vaudevilliano.
Desenvolvo minhas práticas tribais com os semelhantes que encontro pelos caminhos dessa existência consciente, opressora e marginalizada.
Sempre relativizando e nunca relativizado.

Parto do ponto em que surgi aqui:

De lá pra cá, por algum motivo, essa atmosfera da ordem, dos papéis, das igrejas, das famílias, da academia e de tudo que não é livre, não me infectou.
De lá pra cá tudo quanto é pacto, convenção e construção me foi forçado goela abaixo sem antes me consultarem.

Eu vejo tudo de fora e não sinto o que eles sentem.
Desse lado da margem, eu sinto coisas que eles não vêem e por conseguinte não entendem.

Essa tal civilidade
À Liberdade
Essa hipocrisia
À honestidade

Está quase tudo errado segundo meu pensamento selvagem.
E eu só tenho a Arte, alguns amigos e uma caneca de vinho pra viver, sentir, expressar, criar e muito amar nesse mundo que não é de verdade.

Sou um selvagem nessa civilização burocrática.



Para Lívia Britto

domingo, 29 de maio de 2011

write about love

Vidas coladas em retas paralelas.
Gênios e almas gêmeas!
Ironicamente dormem os dois juntos.
Mas sempre em noites separadas.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

No titte at all

Ela se encostou na parede tirando o chapéu, que o sol há tempos se pora, embora conservasse os óculos e dali reagia. Se contorcia na parede de frente para o outro, que estava sentado de costas pra ela. Nas frivolidades desse outro e filosofias de botequim proferidas arbitrariamente, algo nela se abria e a expunha de uma forma espiritual e que ela não entendia. Teve pânico e medo, deixou cair-se tendo sua queda amortecida pelo atrito da parede de chapiscos e a sua camisa de lã. Nesse instante quase desmaiou, quando para anunciar algum novo feito de alguma outra pessoa, esse outro a viu semi-acordada no chão deitada com o queixo encima do peito e as pernas abertas no chão. Esse outro perguntou:
- O que fazes aí?
- Nada.
- O que você tem?
- É que até agora você não parou de falar merda.
Disse ela bem fraca mas aos poucos recuperando forças para conseguir levantar.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Gases nobres e plebeus

No que ele adentra e no que ele sai, dá-se a respiração.
Alimento de vento
Um banquete de nada
O elixir do vazio
Sem gosto, sem cheiro, sem cor
De graça.
Amorfo, invisível e volúvel

Enche e esvazia, esvazia e enche
o ar entra e sai
e o corpo apodrece

Esvazia e enche, enche e esvazia
o ar sai e entra
e muito e pouco acontece

Inspira e expira
Inspira e expira
Inspira e expira

Em tempo!
Esse vai e vem um dia acaba
e tudo volta a ser nada.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Outsideorismo

Rosa negra do campo
Erva daninha dos mares de bálsamo
Mato que surge sem/e nas eiras e beiras e rachaduras
Grande mistério que se intromete sem prévio requerimento

É praga, é podre, é puta

Ser vivo inflado pela brutalidade ao redor
Porção biológica condenada à solidão
Células unidas n´um mar de inorgância
Cresce só e sem convicção afim de dominar a paisagem

É desprezível, é dispensável, é diferente

Negra rosa do campo, seu dia chegou
Adeus.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Superpowerless

Existe algo de misterioso em algumas forças de vontade que nascem já destinadas à serem podadas. Um aroma de frustração polvilhado com bom demais pra ser verdade.
Uma outra parte adquire fluidez ou só se deixam aparecer no espetáculo, omitindo a produção e o making of. Se te deixares se aperceber desse fato estás então à beira da neurose, de modo que o acaso muito ajuda e nem sempre atrapalha. E se então se prender no mérito do controle mais do que do resultado então não vale tanto à pena assim.
Se quer amar e não pode por não correspondência, quisera matar e a lei de "deus" ou a dos homens impediu. Quis ir embora mas e as raízes? Tentou morrer mas teve medo.
Algumas forças de vontade nascem já destinadas à serem podadas.

domingo, 17 de abril de 2011

Do lado de dentro

Decente ou indecente só se coloca pra fora o que se sente.

Honestamente é difícil expressar o que não se entende.

A gente é gente porque até certo ponto conecta coisas e então compreende.

Me dei um perdido.

Optei por outros caminhos não escolhidos, me permiti passar por enlouquecido, embebecido, aturdido.

Perguntei ao sol, à chuva, às plantas, aos animais.

E baixinho me responderam em forma de subjetividade.

Assim tal como sei sem saber todo o complexo misterioso da expressão nobremente não preservada pela autocensura.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Para chatear os imbecis

Luz
Câmera
Criação

Preparar
Apontar
Arte

Não esqueçam de desligar seu desânimo e sua inércia
Essa sala tem portas anti-preguiça por todos os lados, no chão e no teto.

Fumem à vontade se assim desejarem.

Bom espetáculo.

segunda-feira, 14 de março de 2011

As cores do caos

O verde nunca poderia ser como o branco, porque o verde é a esperança.
Ele é um otimismo insconsciente para não se entrar em desespero.

Nem o amarelo e suas riquezas adjuntas à preocupação, ambição e insegurança.

O vermelho é tudo de importante e forte: O amor, O ódio, O sangue.
E a paz do branco é o singelo, a simplicidade, as sutilezas.

O azul não tranquiliza. Ele hipnotiza e quando se olha para o preto
logo se acorda para o luto, a sobriedade, o recato.

Em suma: Somente o branco poderia ser o branco.
Insípido, insosso, inodoro e de cor branca. Por isso o branco é a paz.
Que por sua vez tende à ausência, à passividade, ao tédio.

Nenhuma outra cor quer ou poderia ser o branco.
Porque e só e somente nas moscamortisses do universo que ele aparece.
(E ainda por cima encarde mais.)

sábado, 5 de março de 2011

Diarréia

Fazendo força pra
Cabeça ficar boa
Fazendo força pra
Alma ficar leve
Fazendo força pra
Energia ficar limpa
Fazendo força pro
Corpo ficar são

Fazendo força...
Fazendo força...
Fazendo força....

e


Cagando!

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Asphyxiated

E se as coisas bonitas não são ditas ou escritas, mas nunca esquecidas?
E se amanhece a boa noite e o essencial escapa?
E se as danças inventadas forem ensaiadas?
E essas edições esgotadas?
E esses filmes fora de moda?
E se essa música só for em pensamento?
Espaguete de colher?
Sede em alto mar?
Coito interrompido?
E se a alegria for melancolia
por não ser plena e completa?

E se parar com esses suspiros
Vai parar também com os respiros?

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Trago o ônibus amado em 3 dias

Amigo, o que fazer quando a espera pelo ônibus se encontra numa morosidade absurda? Digo realmente absurda! A ponto dos senhores trabalhadores depois de um dia de labuta, da mais alta nobreza do início da fila, se concentrarem em um ponto fixo, numa eterna espera, atingindo a plenitude, o transe, a comunhão com deus, o nirvana e quiçá a desencarnação em corpo e retorno do espírito e o ônibus nada de aparecer? Complicado, não é mesmo?
Aqui vai uma simpatia infalível para trazer o ônibus amado em 3 minutos:

Primeira tentativa: Acenda um cigarro e aguarde o mesmo queimar até a metade. Geralmente ele chega logo após a primeira tragada. Se for o último cigarro do maço o coletivo tende a aparecer na mesma hora!

Segunda tentativa: As coisas em uma metrópole não são fáceis. Você há de convir que são muitos os chamados divinos pela mais breve possível volta pra casa, não é verdade? Sem contar que o número de fumantes apesar da publicidade do ministério da saúde, só vem aumentando. Bom, nesse caso você pode apelar para uma compra de mercadoria barata com uma cédula muito superior ao preço do produto. De modo que, no embanamento do ambulante ao se ajoelhar e humilhar, pela troca de sua nota de 50 reais com seus colegas de ponto, como num toque de mágica faz aparecer nesse meio tempo no horizonte a Mercedes Benz que você tanto esperava. Essa etapa tem um plus de tensão e adrenalina.

Terceira tentativa: Essa é sua última chance! Porém não pense que se não funcionar você dormirá na sarjeta. Porque Deus é mais e ele está olhando todo o seu sacrifício nas primeiras tentativas! Tenha fé, pois a terceira tentativa consiste em investir uma falsa desistência da fila do tipo: “- Quer saber? Cansei! Vou de metrô mesmo!”, ou algo do gênero. Você não precisa ir embora de verdade, a menos que queira, é claro! Tudo faz parte do milenar ritual urbano, consolidado e sacramentado no renascimento comercial, cultural e urbano, lá nos idos séculos da idade média, nas feiras inter-feudais. No que você por o pé para fora da fila, uma buzina e um barulho de motor ecoará em seus ouvidos.

Uma vez cumprindo todos esses requisitos, eu acho muito pouco provável que o ônibus amado não apareça em 3 minutos. Entretanto, já dizia o profeta dos profetas Pedro Bial: “Há mais coisas entre o céu e a terra do que presume nossa vã filosofia, meus guerreiros da casa mais vigiada do Brasil!”. E a condução por alguma razão pode acabar por não vir. Nesse caso, avalie sua vida, seus pecados, sua conduta e reflita por que Deus não te agraciou com tal benção. Sendo assim, meu amigo, vá de metrô cheio mesmo e boa viagem!

Experimente você também!
Esperamos ter ajudado.


Obs.:
Consta no manual das santidades empresárias de transportes públicos, que mesmo com muito empenho, tais chamados divinos não serão atendidos no que chama-se “Hora do Rush”. O que acarreta na inutilidade de todo esse ritual no horário referido. Casos omissos serão analisados pela comissão de cobradores, hoje em extinção, infelizmente, porém cumprindo essa tão nobre missão de julgar os apelos mais urgentes.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Você já teve medo de enlouquecer?

Um dia escaldante. Uma tarde de luz. Tudo brilha e se opaca à luz do sol refletida em metais e corpos banhados a suor. O objeto está em uma estação de trem. Metade do dia correu, a outra metade precisa ser corrida em direção ao final da linha e dali tomar forma da outra metade. O trem chega e o objeto entra. Eis que a viagem começa. Essência de eucalipto viria a calhar naquela caixa quente de metal. O calor queimou o ar e só restava aos outros fumá-lo enquanto não se chega. Outras opções são oferecidas e usadas com frequência. Por exemplo: Do lado de onde o objeto se senta, um senhor pôs-se a cantar hinos ecumênicos. À sua frente umas senhoras fazem tricô resistindo à vontade de secar o suor com o novelo de linha. Água, Coca-Cola, cerveja e picolés devem servir como paliativo no inferno, porque ali funcionavam bem e todos pareciam tranquilos. A vida deve ser vivida, apesar de tudo. A pressão de completar o outro hemisfério do dia bem, já que tudo tinha dado errado até então. 40 horas sem dormir. Excesso de cafeína. Má alimentação. E algumas preocupações em quem se habituou a não se preocupar com nada. Instalou-se o caos. Não dentro do forno-vagão ou vagão-forno, esse segue resignado apesar de tudo depondo contra ele. Instalou-se o caos foi dentro do objeto.

Alguma vez já experimentara o sentimento de estar vivendo um filme ou vivendo sua vida de fora dela? Chamam isso formalmente de despersonalização. O fato é que o restante do dia não pressionava sobre o corpo abatido do objeto, mas podia. E a possibilidade grande é verdade absoluta em horas de paranoia. Paranoia muda tudo, faz as mãos suarem frias, faz o coração bater rápido, faz o objeto desconfiar de tudo e de todos e até inofensiva mosca pode ser um perigo em potencial. O peso do mundo nas costas e uma ansiedade inexplicável. Os rostos das pessoas continuam tranquilos, não há motivo para pânico. Relaxa. O senhor continua a cantar seus hinos ecumênicos, isso alivia e irrita o objeto. “Canta porque sente demônios em mim e quer se proteger e me ajudar, não ando com boas energias. Mas o que é que estou falando? Não sou desses dessas coisas”. E o mal estar agora é paranoia própria do episódio ou cansaço físico? “Posso desmaiar aqui, posso morrer.” Bem, de uma forma ou de outra esse dia chegaria e a dor da alma fica tão aguda uma hora dessas que assim melhor seria. Esse é um pensamento que ajuda o objeto a se acalmar. Mas o subconsciente tem seus truques de manter seu quadro de pânico. “E se eu perder o controle? E se eu fizer coisas só para me contrariar? E se eu não conseguir mais fingir uma sanidade que talvez nem exista?”. Isso é bem pior que a morte do objeto, já que viveria preso em alguma clínica psiquiátrica ou preso em um quarto com medo da própria sombra. O objeto precisa se concentrar e seguir a viagem, o objeto pensa em voltar para casa, o objeto acha que vai passar, o objeto não acha que vai passar e quer conversar com alguém, quer desabafar e depois desabar. O objeto quer que não reparem nos seus tiques que não possui, mas que na hora, parecem todos perceber e olhar e pensar “Louco.” O trem parou. Não tem para onde correr. Começa a contar. Se contorcer de ansiedade. Medo dos próprios pensamentos, medo de ser mais um perdido para o mundo psicótico. O trem volta a andar. “Desço na próxima estação e volto pra casa ou aguento mais um pouco que isso passa?”. Chegou. Hesita e a porta abre. Faz que vai, mas não levanta. A porta fecha. Era pra ter ido. Vai ficar tudo bem. A porta abre de novo e ele corre dali. Vai pra rua, cai a chuva de verão do céu e uma explosão de choro dos olhos dele. Pelo menos veio a calma, a paz e o alívio de uma dor inexplicável.

O objeto vai para casa sem saber o que aconteceu, mas com medo de que aconteça de novo.